quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Do Carmo



Nem todo mundo sabe que me chamo Maria do Carmo. Quando descobrem, invariavelmente, há uma tentativa de zoação, frustrada pelo fato de eu não traumas relacionados ao meu nome do meio. Na verdade, Maria é meu segundo nome e Carmo é o sobrenome materno.

A família da minha mãe veio da Bahia. Uma parte, para mim, desconhecida, continua lá; mas meus avós migraram heroicamente para o Rio de Janeiro com cinco filhos prontos e um em andamento (no caso, a minha mãe, de quem minha avó estava grávida). Moraram, primeiramente, no Morro da Mangueira, depois, na Baixada Fluminense, até mamãe e papai ousarem nova trajetória geográfica: Guadalupe, Jacarepaguá, Copacabana.

Como filha caçula de uma família soteropolitana, mamãe cresceu entre os aromas de dendê, camarão seco, leite de coco, tapioca, mungunzá, galinha ao molho pardo. A cozinha da minha mãe tem cheiro de refogado de alho, cebola, azeite, coentro, pimenta do reino, bacalhau e camarão. E, apesar de ser filha e neta de verdadeiras especialistas em frutos do mar e comida baiana, o máximo que já fiz foi um filezinho de peixe assado – e no papillote. Não sei se confiando em minhas habilidades culinárias ou por falta de tempo para cozinha-lo ela própria, o fato é que mamãe deixou um pedaço de bacalhau no meu congelador. E perguntou, impaciente: “você ainda não fez isso, não?”. Hoje fiz.

Bacalhau é muito bacana de fazer. Ele já é delicioso, tem que se esforçar muito pra dar errado. E ele tem uma coisa que eu acho fantástica: exige que você manipule, como diz o vocábulo, com as mãos, nada de garfo, faca, essa palhaçada toda. Você tem que chafurdar a mão e desfiar, tirar as espinhas uma a uma, sentindo aquela consistência molenga e molhada. Adorável. Sabendo que jamais conseguiria superar as receitas de bacalhau de mamãe, pedi instruções apenas para um preparo básico e fiz minha própria receita. Quando comecei, pela primeira vez, a refogar o bacalhau, subiu aquele cheiro que eu já conhecia há tanto tempo, o cheiro da cozinha da minha mãe. Que emoção indescritível, nunca me senti tão parte da família. Eu, Cinthia Maria do Carmo.

Escondidinho de Bacalhau

500g de bacalhau
2 tomates
½ cebola roxa picada
3 dentes de alho
1 colher (chá) de pimenta preta em grão
250 gramas de catupiry
700g de batata
200g de creme de leite
2 colheres de manteiga
pimentão amarelo e vermelho
sal
óleo
azeite
pimenta do reino branca em pó
coentro
azeitonas portuguesas
parmesão ralado

Dessalgue o bacalhau (como? Também não sei, vou perguntar pra minha mãe e publico futuramente). Coloque-o numa panela com água fria e leve ao fogo. Quando levantar fervura, apague o fogo. Retire o bacalhau e reserve a água. Espere esfriar e desmanche as postas com as mãos, retirando as espinhas. Refogue a cebola e o alho com o óleo e o azeite. Quando estiver dourado acrescente o bacalhau. Mexa e, quando estiver seco ou começar a grudar na panela, acrescente um pouco da água da fervura. Quando ficar com uma cor amarelada (isso vai demorar um pouco, uns 15 minutos), acrescente o tomate picado, a pimenta em grão e mais água da fervura. Deixe cozinhar até amolecer os tomates. Acrescente os pimentões picados e as azeitonas, deixe secar um pouco a água. Desligue o fogo com o bacalhau “molhadinho” e salpique o coentro picado. Faça o purê de batatas: numa panela, derreta a manteiga e junte as batatas cozidas e espremidas e o creme de leite. Mexa até homogeneizar. Corrija o sal. Monte o prato: espalhe o bacalhau sobre o fundo de um refratário, cubra com uma camada de catupiry e outra de purê de batata. Salpique a pimenta branca em pó e o queijo ralado e gratine em forno preaquecido por 20 minutos. Sirva quente e cremoso.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Um domingo e um macarrão



Por que será que domingo dá vontade de comer macarrão? Minha família nunca teve hábito de comer massa, não temos ascendência italiana, mas hoje tive uma súbita e louca vontade de comer um macarrão quentinho, com molho feito de tomates de verdade e um monte de coisinhas boiando nele. Um macarrão com tudo dentro.

Enquanto pensava nos ingredientes dessa receita, refleti um pouco sobre as propriedades emocionais do macarrão. Acho que macarrão tem a função de agregar as pessoas e fazê-las se sentirem acolhidas, reconfortadas. Deve ser por isso que ninguém se sente sozinho diante de um prato de macarrão.

Nada falta a alguém que tem amigos e macarrão. E foi isso que tive hoje: oito mãos para preparar verdadeiros clássicos de domingo. Na onda “retrô atualizado” proposta pela matéria de capa do Paladar dessa semana, preparamos macarrão com tudo dentro, almôndegas recheadas com provolone e berinjela doce. Ah, e pra beber: ponche! Nesse post, vou publicar as receitas do macarrão e do ponche, as outras merecem postagens futuras, exclusivas e comentadas.

Macarrão com tudo dentro
300g de espaguete
1 lingüiça calabresa defumada
200g de champignon
2 colheres (sopa) de amêndoas
2 colheres (sopa) de passas pretas
50g de azeitonas portuguesas
4 tomates
1 cebola
2 dentes de alho
2 colheres (sopa) de manteiga
Azeite
Sal
Salsa picada
Pimenta calabresa
Enquanto o macarrão cozinha, frite a linguiça (sem casca e fatiada) com um pouco de azeite. Quando estiver frita, acrescente a cebola, refogue por um minuto e junte o alho. Refogue por mais um minuto e acrescente os tomates picados (pode ser com ou sem casca, mas sem sementes). Deixe cozinhar até os tomates começarem a desmanchar. Junte o champignon, as amêndoas, as passas, as azeitonas e a pimenta. Corrija o sal. Acrescente a manteiga e, quando derreter, misture o macarrão. Desligue o fogo polvilhe a salsa. Sirva quentinho e aconchegante.

Ponche reloaded (receita adaptada da do chef Chef Renato Carioni, publicada no suplemento Paladar, do jornal O Estado de S.Paulo, em 18/02/2010)
1 garrafa (750ml) de vinho frisante rosé (usei o Salton Lunae Rosé Demi-Sec)
750 ml de soda limonada
1/2 abacaxi pérola
2 maçãs Fuji
Misture as bebidas com as frutas picadas. Sirva gelado e refrescante.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Ceviche brasileño


Olha, esse negócio de cozinha típica de um lugar em outro é meio complicado. Restaurante de comida mineira, por exemplo, nunca tem o gosto da que a gente come em Minas. Aqui em São Paulo fazem tutu de feijão carioca e torresmo pururucado – em Minas, só comi tutu de feijão preto e o torresmo era um simples e delicioso bacon frito. Comida baiana fora da Bahia, então... é um tal de trocar o azeite de dendê por óleo de soja, de trocar a pimenta da receita por aquele vidrinho de pimenta vermelha em cima da mesa... Tive um pouco dessa sensação quando experimentei o ceviche do Killa.

Ceviche está para o Peru como a feijoada está para o Brasil – se não é o prato mais popular e representativo da identidade nacional, pelo menos, é que o todo mundo acha. Feito de cubos de peixe branco marinado em limão e temperos, leva cebola roxa, salsa (ou coentro, não lembro), pimenta e pode ser acompanhado de milho, batata (mas não os que a gente conhece: eles têm muitos outros e surpreendentes tipos de milho e batata), tortilla... Embora já faça mais de um ano que provei o prato em Lima, lembro bem da sensação de comer um peixe que não foi cozido (no fogo) e não tinha gosto de cru! Parecia mágica. A marinada, à base de limão, era cítrica sem ser azeda, o peixe tinha textura macia, desmanchava na boca. E o choclo – uma variedade de grãos brancos e enormes – saciava e confundia meu conceito monocórdico de milho.

Aí veio o Prêmio Paladar 2009 e disse que o ceviche do Killa era o melhor. Fui lá. O restaurante é pequeno, bonito e aconchegante, o atendimento é ótimo. O ceviche é bom, mas não é igual. Achei que alguns pedaços do peixe tinham gosto de cru. E sei lá, a marinada, embora estivesse muito saborosa, era menos complexa. E o pisco sour – a caipirinha do Peru, feita de pisco (aguardente de uva), limão e clara de ovo - era menos encorpado. O que quero dizer é: estava bom, mas não era igual. E fiquei na dúvida: será que é possível deslocar o sabor da sua geografia? Acho que além de ingredientes e técnicas, a culinária também é feita de clima, de vegetação, de solo, de altitude, de idioma, de folclore, de crenças. E das pessoas que vivem tudo isso.

Foto: Ceviche Tradicional do Killa (sem lula e com mais camarão). Crédito: Cinthia Gomes

Serviço: Killa – R. Tucuna, 689, Perdizes, São Paulo/SP. Fone: (11) 3872-1625

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

1800 Receitas


Não sei se esse post é sobre culinária ou sobre amizade. A amizade, aliás, é um dos motivos pelos quais gosto de cozinhar. Quando cozinhamos juntos, comungamos, partilhamos e celebramos nossa amizade – e saboreamos.

Na segunda-feira, quando cheguei em casa, havia um presente em cima da mesa. Na verdade, havia várias coisas, mas só enxerguei o Petit Larousse de la Cuisine, que a fofa e querida Diana me deu. Toute la cuisine à portée de main! 1800 recettes pour tout cuisiner. É o que me promete a enciclopédia da cozinha francesa. Já comecei a ler, viu, Diana, mas como meu francês c’est pas trop bon, o progresso é lento... mas estou aprendendo os conhecimentos básicos sobre a alimentação.

Sendo boazinha comigo, me dou o direito de ser um pouco piegas: amigos são a família que a gente escolhe, e estou muito feliz com minha nova – e espero que eterna – família. Na verdade, eles que me ajudaram a descobrir que cozinhar é importante para mim, são meus maiores incentivadores. E a gente sempre precisa de apoio quando decide pegar outra estrada e fazer dela um caminho. Amo vocês. Obrigada, Diana.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Entrada

Caro leitor ou cara leitora, já que estás disposto(a) a ler este blog, deves também querer saber um pouco sobre quem o escreve. Respondo. Meu nome é Cinthia Gomes, sou jornalista, mas já trabalhei como técnica em meteorologia e tenho um curso incompleto na Faculdade de Letras. Trabalho na Rádio Eldorado, em São Paulo, produzindo o Território Musical, programa de cultura e música brasileira (www.territorioeldorado.com.br/musical). Também tenho um projeto independente, com minha amiga e sócia Paola Prandini, sobre história e cultura afrobrasileira voltado para a educação (www.afroeducacao.com.br). E faço uns frilas, porque jornalista ganha pouco mesmo.

Gostar de cozinhar foi surpreendente. Lembro do martírio que era fazer arroz, quando a mudança da cidade natal – o maravilhoso Rio de Janeiro – me deixou órfã dos deliciosos pratos de mamãe. Do martírio para a rotina e desta para o regozijo foi um caminho que, na verdade, não notei ter percorrido. Mas o fato é que hoje me divirto, relaxo e crio cozinhando. Acho que gostar de cozinhar faz parte de um novo jeito de ver e de estar no mundo. Tenho buscado mais a subjetividade, o implícito, o não-dito, a emoção. Antes, queria me relacionar com as pessoas pelo intelecto. Agora, quero que todos sejamos felizes, e não há outra maneira de ser feliz senão com a barriguinha cheia... Será que vai dar certo? A dúvida, eu sempre busquei.

Sem me delongar ainda mais, deixo-o/a à vontade para a leitura. Espero que seja saborosa.